Texto: Mirian Ribeiro / Foto: Reprodução


Após um longo período de desprezo, decretado na época do regime militar, as disciplinas de Filosofia e Sociologia voltam a ser obrigatórias nos três anos do ensino médio das redes pública e particular, de acordo com projeto aprovado em maio no Senado e sancionado no início do mês pela presidência da República. O projeto não especifica quando a lei deve ser implementada, mas, segundo levantamento do Conselho Nacional de Educação, ao menos 17 estados já têm as duas disciplinas no ensino médio, em boa parte oferecidas por escolas particulares. 

As matérias foram retiradas do currículo obrigatório durante a ditadura e substituídas por Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. De lá para cá, o mundo mudou e muito: hoje, vivemos uma época dominada pela tecnologia, pelo consumo e por uma postura mais individualista. Jovens de todos cantos se comunicam pela rede mundial de computadores e até para um trabalho escolar a reflexão é pouco exigida: basta clicar um botão e uma enciclopédia virtual surge diante dos olhos.

Há ainda uma outra diferença no tempo: hoje, a escola pública é alvo de muitas críticas com relação à qualidade de ensino e não são poucos os alunos que concluem o ensino médio quase como analfabetos funcionais. Será que um jovem com essa formação tem capacidade de absorver os conceitos abstratos da filosofia e da sociologia?

Thaíse Macedo Cardoso dos Santos, 25 anos, acredita que sim. "A proposta é fazer pensar e há professores com metodologias bem didáticas que facilitam esse exercício. O aluno não precisa se aprofundar em conceitos sociológicos, mas pode ganhar condições de enxergar o fenômeno social e saber distinguir, deixar de pensar somente dentro de uma lógica".

Formada em antropologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e cursando mestrado em saúde coletiva, Thaíse é uma jovem que se distingue de outros de sua geração. O pai queria que fizesse direito, sua profissão, mas a garota desde criança demonstrou inclinação para a área de humanas. "Entrei para ciências sociais pensando na carreira diplomática, mas logo me defini pela antropologia".

Ela confessa que, devido à sua formação, tem certa dificuldade de relacionamento não só com jovens, mas também com adultos. "Sou muito crítica da realidade e hoje as pessoas vivem mais voltadas para seu cotidiano. O consumismo é um reflexo dessa sociedade. O momento do Brasil, e de Santos em particular, com este boom de tecnologia e novas possibilidades de emprego, também aflora mais o individualismo. Tento lidar com isso, senão viro uma pessoa chata", brinca.

Thaíse comenta que matérias de cunho humanista - como a filosofia, antropologia, sociologia - conferem uma capacidade crítica e a possibilidade de enxergar fenômenos sociais alheios à sua realidade. "A pessoa passa a perceber que tem o seu umbigo, mas têm também vários outros umbigos orbitando ali".

Geração robotizada 

Para o sociólogo e professor universitário Cláudio José dos Santos, qualquer modificação que se faça na estrutura do ensino traz poucos resultados se não for acompanhada de uma mudança global, no caso do ensino público que vive uma situação de quase falência. Mas, ainda assim, ele considera bem-vindas as tentativas para melhorar esse quadro.

"Os jovens de hoje são pessoas muito hábeis em executar tarefas, cumprir ordens, mas com pouca capacidade para reflexão, o que prejudica seu preparo para uma futura tarefa de direção. É uma visão míope do problema. Países deram grandes saltos seguindo no sentido contrário, não minimizaram nem a tecnologia nem o exercício do pensar. Fizeram reformas que implicaram nessa proximidade com matérias reflexivas".

Para o professor, a escola atual acena com muito pouco do coletivo, as ações são voltadas mais para o conhecimento dos próprios alunos. "O jovem precisa saber que existe algo diferente do eu, da sua família, que é a sociedade. A sociologia estuda como esse ser coletivo funciona, como se estrutura, dando ao jovem uma visão mais clara do mundo em que vive. A sociedade é uma máquina em que cada engrenagem precisa funcionar. Não é engrendrada pela natureza, mas pela mente humana, por isso é importante refletir sobre o conjunto; ou se salva o conjunto ou todos perecemos", vaticina.

Em Santos, nenhuma das universidades oferece curso de sociologia. Quem tem interesse normalmente segue para São Paulo. "O campo de atuação é muito pequeno, em geral quem ingressa vai para a carreira acadêmica", explica Cláudio José.

Contribuições da filosofia 

O curso de Filosofia é um dos mais antigos da UniSantos e o único oferecido na cidade. Por sinal, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi a semente de vários outros cursos oferecidos pela universidade, inclusive o de jornalismo. Hoje, o curso de licenciatura em Filosofia é freqüentado por 40 alunos, nove deles seminaristas, mas há também profissionais já estabelecidos em suas carreiras que querem enriquecer o conhecimento pessoal e jovens em busca de uma formação profissional.

"Creio que o mercado de trabalho, até agora muito restrito, aumentará com a volta da filosofia no ensino médio", aposta o padre Antonio Paulo Ferreira de Castilho, coordenador do curso de filosofia da UniSantos. Para ele, uma das contribuições do estudo da filosofia na formação do indivíduo está em colocá-lo em contato com toda a tradição cultural da humanidade desde a Grécia antiga, e que definiu a forma de pensar que marca muito o mundo atual. "Cada área lembra alguma contribuição. Na ética, o conceito de virtude, do agir bem; na política, a democracia, a igualdade e dignidade entre as pessoas; na religião, a noção de natureza, de natural e sobrenatural; na ciência, noção de métodos".

Um outro grande benefício é o de estimular na pessoa um pensamento mais rigoroso, mais lógico, que lhe permita filtrar o acúmulo de informações jogadas por inúmeros meios de comunicação social. "O jovem tem muita dificuldade de pensar, ler, refletir. Ele é ativo, dinâmico, até agitado, está situado em um mundo que exige muito dele e onde ele é egocêntrico. O estudo da filosofia dará instrumentos para que se situe um pouco nesse mundo, saiba interpretar mensagens, reflita sobre a ética". Para o padre Castilho, é preciso lançar o desafio, "se não aparece na escola fundamental ou média, em algum lugar vai explodir a falta de base que o aluno tem. Até no ensino superior, encontramos muitos alunos com dificuldade de leitura, falta de conhecimento geral".

(Fonte: Veiculado no Jornal da Orla, em 29/06/2008)

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